sábado, outubro 30, 2004

Memórias: Cem anos de solidão

Abriu a porta com cuidado, e pé ante pé percorreu o caminho até a janela. Abriu primeiro as cortinas deixando que a luz entrasse e se espalhasse pelo aposento. Depois as janelas, deixando-se ficar ali por alguns minutos, sentindo o vento suave soprando-lhe bons presságios aos ouvidos atentos.Sentou-se então na velha poltrona de braços desgastados e puídos.A doce sensação de lar doce lar pairando no ar.
Conhecia bem aquele espaço.
Conhecia bem cada livro na estante , tantas vezes percorridos pelos olhos curiosos e ansiosos de saber.
Conhecia bem cada quina, cada linha, cada detalhe dos móveis.
Sabia bem a história.
Como tudo começara.
E como tudo terminaria também.
Apanhou o livro sobre a mesinha, abrindo-o na última página, último parágrafo...

"Entretanto, antes de chegar ao verso final já tinha compreendido que não sairia nunca daquele quarto, pois estava previsto que a cidade dos espelhos (ou das miragens) seria arrasada pelo vento e desterrada da memória dos homens no instante em que (...)acabasse de decifrar os pergaminhos e que tudo o que estava escrito neles era irrepetível, desde sempre e por todo o sempre, porque as estirpes condenadas a cem anos de solidão não tinham uma segunda oportunidade sobre a terra." ***

Fechou o livro deixando que as lágrimas corressem livres.
Voltou então a escrever sua história, pedindo aos céus que não chegassem a cem, os anos da sua solidão.


*** Parágrafo final do livro "Cem anos de solidão"de Gabriel García Márquez

(publicado originalmente neste blog aos 24/06/2003)

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