sexta-feira, fevereiro 09, 2007

A morta que não morreu ou "Do mistério das fraquezas humanas"

Eu pensei, pensei, rabisquei meia dúzia de palavras, desenvolvi dois ou três parágrafos, apaguei. Se estivesse escrevendo de próprio punho, teria gasto bem um bloco de papel, e as folhas descartadas estariam agora entupindo meu cesto de lixo. E viva a Internet, e viva o Frederico!! Graças a eles escrevo aqui, favorecida por todas as comodidades possíveis e imagináveis que a tecnologia me oferece.
A mesma tecnologia que nos possibilita manter contato, desenvolver relacionamentos e estreitar laços com pessoas que nunca sequer chegamos a conhecer. A mesma tecnologia que possibilita a uma pessoa que crie uma identidade fictícia, e que crie seu próprio teatro de bonecos virtual: movendo seus fantoches e cordões a seu bel prazer.
É claro que me refiro aqui à inevitável história da defunta-viva, a morta que não morreu, o tão comentado pseudo-falecimento de Maria Elisa Guimarães.
Pois é. Inevitável porque não há como falar de um caso tão cabeludo quanto este sem que se faça uma análise, ainda que rápida, sobre o tipo de relacionamentos que se desenvolvem na rede virtual. Não apenas na blogosfera, mas em tantos outros instrumentos de comunicação que se proliferam feito pragas virtuais e destroem nosso tão abençoado sossego.
Eu poderia fazer uma lista sem fim, começando pelo Orkut, passeando pelo IRC, MSN e ICQ, pelas listas de discussões e fóruns, e terminando -depois de uma centena de exemplos- nas salas de chat e bate-papo. E veja, é quase uma imposição, somos obrigados a criar uma identidade virtual através da qual nos comunicaremos e expressaremos nosss idéias. Deixamos de ter nomes e passamos a ter USERNAME e ID (ou nome de usuário) e o PASSWORD transforma-se em nosso RG virtual. O uso de pseudônimos não só é permitido como também incentivado, para nossa própria segurança e privacidade.
Porquê não criar também uma vida virtual?
Foi o que esta distinta senhora fez.
Criou para si uma vida virtual.
Não trocou nomes, não. Nem usou pseudônimos.
Mas usou sim, e abusou da crueldade ao utilizar seu nome e mais alguns dados reais para convencer pessoas de que ela era doente, muito doente, e que lutava bravamente contra um câncer que a consumia lentamente.

Pausa para recuperar-me de uma súbita onda de náuseas.

Essa porcaria toda, este estrume displicentemente jogado no ventilador, que nos emporcalhou a todos e deixou o 'delicado' perfume no ar, me levou a analisar minhas próprias atitudes na INTERNET. É esta a hora de lançar um olhar mais crítico sobre os laços que criei durante minha curta existência na esfera virtual, desde os primórdios do MIRC, até os mais recentes acontecimentos envolvendo a blogosfera.
Posso chamar de amigo alguém que conheci por intermédio de um comentário sem grande relevância num blog conhecido, e com quem troquei algumas dezenas de emails?
Alguém a quem confidenciei alguns segredos que jamais confidenciaria a nenhuma outra pessoa?
A quem expus, sem qualquer cerimônia, medos e fraquezas, acreditando estar protegida pela distância física e geográfica ?
Alguém que me faz mesuras, me paparica, me faz pequenos dengos?
É possível apaixonar-me, e amar desmedidamente alguém que eu nunca vi, ou vi apenas uma vez (mas com quem troquei mais de 4000 emails)?
Não , eu não tenho as respostas. Quem dera eu as tivesse. Muitas das minhas dúvidas não existiriam e grande parte dos meus temores não passariam de sonhos ruins.
A única certeza que tenho é a de que posso dormir sossegada à noite.
Pois não permiti que ninguém chorasse minha dor e meu sofrimento, muito menos minha morte forjada. Não tirei o chão de ninguém.
Li por aí um comentário de alguém que fez uma triste comparação entre a Morta-viva e a Geni do Zepelin de Chico Buarque, referindo-se ao sem número de boas ações e gentilezas que ela já distribuiu, caridosamente, por aí.
Espera aí...perdi alguma coisa, ou...quem foi mesmo que ela salvou com este emaranhado de mentiras?
Mai uma pausa. Nojo, asco.

E me enoja mais ainda a simples possibilidade de existirem por aí, muitos outros ou outras como ela. Muito provavelmente ela voltará a escrever, e num futuro até bem próximo ninguém mais se lembrará do caso da "Morta que não morreu", com exceção daqueles que choraram ao ler seu epitáfio (existe um?).
Sim, é importante que se perdoe.
Muito mais a nós mesmos pelo asco que sentimos, pela revolta mal-disfarçada e desejo de vingança travestidos de justiça moral.
Eu me perdôo por ter parado de digitar uma boa meia dúzia de vezes para limpar a garganta e beber um copo dágua que disfarçasse a náusea e o gosto ruim da boca.
Eu me perdôo porque criei vínculos virtuais e aprendi a amar pessoas que nunca vi.
Eu me perdôo porque mesmo tendo tão pouca ou quase nenhuma fé, eu deixo de orar por mim, mas nunca de orar por elas.
Eu me perdôo porque antes de dormir meu pensamento sempre passeia por todos aqueles a quem quero bem, e é inevitável que também estas pessoas estejam lá.
Eu me perdôo porque ingênuamente, acredito que estas pessoas também se preocupam comigo.
Eu me perdôo porque não chorei a morte que nunca foi morte desta pobre criatura, mas chorei sim, as tantas decepções que esta teia de relacionamentos virtuais já me causou.
Eu me perdôo porque muitas vezes fechei os olhos e preferi ser enganada.
Eu me perdôo por não sentir piedade.
Me perdôo por não compreender como alguém pode brincar tanto com o sentimento alheio.
Me perdôo, me perdôo, me perdôo.
E não se poderá dizer nunca que eu não fui capaz de perdoar.

2 comentários:

  1. Anônimo3:52 PM

    Orgulho-me de ter conhecido você pessoalmente e ter ajudado a romper, com tanta alegria que o encontro porporcionou, esta barreira virtual tão cheia de desencantos. Pena não termos tido outras oportunidades, que acredito não faltarão. Li, comentei, postei e deletei sobre o episódio MEG e também me frustrei com muita gente. Ah! pudera ter lido mais coisas como o que você aqui escreveu. Beijos querida.

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  2. Anônimo7:48 PM

    Depois de longos anos me escondendo em ler e nada comentar, depois desse post resolvi pedir pra fazer das tuas palavras as minhas, pq após anos e anos de net me sinto como vc...emporcalhado por conta de existirem pessoas como essa "morta" ai.
    Beijo!!!

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