terça-feira, setembro 19, 2006

Agonia e dor

Sentia agora, como se fosse aquela noite.
O gosto do sangue na boca, salgado pelo choro.
O corpo doído, curvado, castigado pelos socos e pontapés.
Já não sentia muita coisa, amortecida que estava.
Lembrava-se apenas de fechar os olhos e imaginar que não estava ali.
Vez ou outra, quando ele atravessava a soleira da porta,
ensaiava a fuga que ela sabia impossível de realizar.
Então ele voltava, desferia mais um, dois, três socos e saía esbravejando.
Lembrou-se de quando, menina ainda, escondia-se sob o assoalho da antiga casa de madeira toda vez que algo lhe assustava, entristecia, ou contrariava.
Ficava lá, encolhida no escuro, até que a dor , o medo e a tristeza passassem.
Não era mais menina, não havia mais a antiga casa de madeira.
Não mais o seu esconderijo.
Jurara, naquele dia: nunca mais.
Nunca mais a mão erguida contra ela.
Nunca mais o corpo violentado pela surra.
Nunca mais os palavrões, os chingamentos obscenos.
Agora, quando a cena tinha intenção de repetir-se, seus olhos marejados e
injetados pela dor pareciam não acreditar no que viam.
Trancou-se no quarto, a melodia tocando.
Então disse em voz alta, olhando para a porta,
como que para convencer a si mesma:
- Se você encostar um dedo em mim,
um dedo apenas, mais uma vez, eu te mato!!

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