Memórias: As pedras

A garotinha colecionava pedrinhas.
Brancas, azuis, transparentes, amarelas.
Pontiagudas, lisas, lascadas.
De todas as formas e cores.
Detia-se sempre nas esquinas. Não sabia explicar o porquê, mas as esquinas eram sempre grandes mistérios. Era lá...nas esquinas, que encontrava as pedras mais interessantes, e as mais belas também.
Havia uma especial: Em formato irregular, e de pontas arredondadas
Tinha uma coloração cinza nas extremidades, e o centro reluzia cores diversas, dependendo da luminosidade que incidia sobre ela.
Gostava de acreditar que aquela era sua pedra da sorte, e carregava-a consigo sempre.
Os meses passavam,e a coleção crescia, devidamente acondicionada em vidros vazios de compotas.
Quando estava triste por algum motivo, sentava-se no quintal, ela mais as pedras. Ajeitava-as uma a uma, enfileiradas, na ordem da maior para a menor.
Conversava com elas, e algumas até nome tinham.
Não demorava muito até que se sentisse melhor. Então as pedras retomavam seu lugar dentro dos vidros, acomodados na prateleira do quarto pequeno e já abarrotado.
Não gostava muito das bonecas, mas quando brincava com elas, as pedras tinham de completar o cenário. Sem elas não havia brincadeira.
A garotinha cresceu, adolescente rebelde, insegura.
As pedras permaneceram no vidro, pequenos fragmentos de lembranças, esquecidos na prateleira do quarto da infância.
Houve um dia em que ela chorava, e triste, procurou pela pedra da sorte, e pelos vidros de compota com sua valiosa coleção.
Eles não estavam mais lá.
Num dia de faxina, sua mãe os havia atirado no lixo, os vidros.
As pedras, segundo ela, foram atiradas de volta à rua.
Sentara-se na beira da cama, chorando as pedras perdidas.
Não por elas, as pedras. Mas pelo instante em que deixara de crer.
Pelo instante em que deixara de ser aquela garotinha, deixando a magia para trás.
Hoje, mulher, as esquinas e as pedras permanecem ainda um mistério indecifrável .
Ainda se detém quando os olhos pousam sobre elas.
E pode jurar que estão falando com ela...