quarta-feira, setembro 22, 2004

A janela

Tinha uma janela pequena, com venezianas que se abriam para o quintal onde as mangueiras se espalhavam.
Numa delas o balanço: um pneu velho suspenso numa corda.No fundo, o ribeirinho de águas cristalinas que deixavam ver as pedras multifacetadas sobre as quais corria.
E tinha um menino, seis ou sete anos, que vinha brincar no balanço todos os dias.
Pulava a cerca de arame farpado, percorria o caminho juntando as mangas maduras que encontrava caídas pelo chão.Sentava-se, sozinho, beira dágua, descascando a fruta com as mãos. O olhar brejeiro, boca lambuzada.Entrava na água, molhando primeiro os pés, depois até a altura dos joelhos, e ficava ali parado, sentindo a água fresca que corria por entre suas pernas, achando graça quando lhe provocava cócegas.
Tinha vontade de descer o morro, dizia, mais adiante, onde o riacho se encorpava transformando-se em rio.
Sonhava com o dia em que ganharia as águas do rio, mergulhando e desvendando seus mistérios. Não agora, que a mãe sempre dizia que era perigoso, e ele não sabia nadar. Mais tarde, quando fosse grande, e forte.
Naquela tarde voltou para o balanço, desta vez preocupando-se com as pequenas lagartixas que corriam vindas de todos os lados, indo não se sabia pra onde. Eram dezenas delas, algumas pequeninas, outras um pouco maiores e que se enfiavam por debaixo das folhas procurando abrigo.
Uma delas se escondera em seu balanço. Faltava-lhe o rabo.
Segurando-a com as mãos em concha, olhos rasos dágua, correu em direção à janela.
- Tia!! Precisamos de ajuda! Dá pra levar a lagartixa pro "hispital"?
- O que houve com ela?
- Ela perdeu o rabo...acho que vai morrer... - disse ele, já quase chorando.
Dei a volta, sentando-me ao seu lado na varanda.
Podia ver o brilho em seus olhos aumentar, à medida em que ouvia a história de como a lagartixa se regeneraria, e de como um rabo novinho em folha cresceria no lugar do perdido.
Sustentava um olhar entre incrédulo e excitado com as boas novas recebidas.
Caminhamos lado a lado, encontrando um canto junto às mangueiras onde cuidadosamente ele ajeitou a lagartixa entre os galhos.
Súbito, ele me estala um beijo na bochecha, radiante.
E comunicando-me solenemente de sua volta no dia seguinte, se afasta , não sem antes apanhar mais duas mangas caídas no chão.
Percorre o caminho de volta cantarolando, e eu, embevecida pela mágica do momento,retorno para minha janela.
Tinha uma janela pequena...de venezianas abertas.
De onde se podia ver as mangueiras, e a vida, que corria como o menino lá fora.

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